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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

INQUISIÇÃO

Vamos esclarecer dois assuntos bem polêmicos: Inquisição e caça as bruxas: 

Historiadores contemporâneos agora comprovaram que as terríveis imagens da Inquisição são, em grande parte, um mito, inventado primeiro pelos inimigos políticos da Espanha – principalmente os escritores ingleses que moldaram nossa compreensão desse evento – e, mais tarde, pelos inimigos políticos da religião. O livro The Spanish Inquisition [A inquisição espanhola], de Henry Kamen, tem como subtítulo “Uma revisão histórica”; trata-se de um livro longo porque muitas revisões foram necessárias. Um de seus capítulos tem como titulo “Inventando a inquisição”. Kamen dá a entender que grande parte do estereótipo moderno da Inquisição é, em essência, ficcional. 

A inquisição, mostra Kamen, “só tinha autoridade sobre os cristãos”. A idéia de que a inquisição tinha como alvo os judeus é uma fantasia. Os únicos judeus que se submeteram ao domínio da inquisição foram os que se converteram ao cristianismo. Muitos deles se converteram, uma vez que o rei Fernando e a rainha Isabel baixaram um decreto, em 1492, expulsando os judeus da Espanha. A conversão ao cristianismo era a única maneira de permanecer no país. Sem duvida, muitos cristãos desconfiaram que alguns desses conversos ou “novos cristãos” não eram, de fato, cristãos. Eram judeus que se fingiam de cristãos. O interessante é que a principal fonte de alegações contra os “novos cristãos” veio de outros judeus que se irritaram com o fato de seus companheiros renunciarem ao seu judaísmo. Esses judeus não tinham nenhum receio de testemunhar diante dos tribunais da inquisição porque, como judeus, não estavam sob a jurisdição da inquisição. Kamen mostra que se sabia que o inquisidor geral, Tomás de Torquemada, era descendente de judeus. Os julgamentos da inquisição, de acordo com Kamen, eram mais justos e mais indulgentes do que os julgamentos seculares, não somente na Espanha, mas também em toda a Europa. Muitas vezes, a única punição dada era alguma forma de penitencia, como um período de jejum ou o que chamaríamos hoje de “serviço à comunidade”. Quantas pessoas foram executadas por heresia pela inquisição? Kamen estima que tenha sido algo em torno de duas mil pessoas. Outros historiadores contemporâneos estimam entre 1500 e quatro mil. Essas mortes foram todas trágicas, mas devemos lembrar que ocorreram ao longo de um período de 350 anos. 

O melhor exemplo de violência motivada pela religião nos estados unidos é o julgamento das bruxas de Salém. Quantas pessoas foram mortas nesses julgamentos? Milhares? Centenas? Na verdade, menos de 25 pessoas. Dezenove foram sentenciadas à prisão e algumas outras morreram na prisão. Contudo, o julgamento das bruxas foi imortalizado em livros, filmes e peças como As bruxas de Salém, de Arthur Miller. Miller tentou usar os julgamentos de Salém como um precedente histórico para mostrar os grandes danos causados pelo macarthismo, mas dificilmente imaginava que seu exemplo histórico, na verdade, provaria o contrario. Por mais errados que tenham sido os julgamentos, eles prejudicaram um numero relativamente pequeno de pessoas. Muito barulho por pouco. É interessante perceber como os escritores ateus tentam tornar o julgamento das bruxas mais horrível do que foi. Em O mundo assombrado pelos demônios, Carl Sagan escreve sobre o julgamento das bruxas na Europa: “Ninguém sabe quantas foram mortas ao todo – talvez centenas de milhares, talvez milhões.” Aí está um grande “talvez”. Sagan na cita fontes, e a conclusão mais lógica é que ele não faz idéia. 

Seu colega ateu, Sam Harris, que leu alguma coisa sobre o tema, cita fontes históricas contemporâneas que informam um numero muito inferior de bruxas queimadas, algo em torno de cem mil. Esse é um numero considerável, mas é muito inferior à estimativa assombrada pelos demônios de Sagan, e está 200% abaixo, observa Harris, de algumas estimativas absurdas feitas antes. Entretanto, Harris argumenta: “Essa reavaliação de números dificilmente alivia o horror e a injustiça desse período.” Por quê? Vamos aplicar a sua lógica a outros eventos históricos, e o absurdo ficará visível. As duas bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki causaram a morte de um numero estimado de cem mil civis, e continua o debate sobre a decisão do presidente Truman de terminar a guerra dessa forma. Mas vamos reduzir o numero de vitimas por um fator de duzentas para uma, segundo Harris, e chegaríamos a quinhentas mortes causadas por duas bombas. Isso, nas palavras de Harris, “dificilmente [aliviaria] o horror e a injustiça” das bombas? Pelo contrario, dissiparia grande parte do horror e praticamente eliminaria qualquer debate moral sobre a legitimidade da ação de Truman. Quando os números estão do nosso lado, é hora de tentar algum raciocínio hipotético. 
Mexendo em sua cartola filosófica, Carl Sagan pergunta como os civilizados europeus puderam perdoar a condenação de bruxas à fogueira. Sua resposta: “Se tivermos certeza tanto de nossas convicções quanto do erro dos outros [...] a caça às bruxas voltará em suas infinitas variações.” Em outras palavras, pode se repetir até mesmo nos Estados Unidos, séculos depois. Mas até onde isso é plausível? Carl Sagan acreditava na evolução, no Big Bang e em muitas outras cosias. Certamente estava convencido de suas convicções, assim como do erro de seus inimigos, os criacionistas e os fundamentalistas. Mesmo assim, Sagan não queimou ninguém. 

Embora minhas crenças sejam firmes, continuam em branco meus registros pessoais sobre queima de bruxas. Se você for a Salém hoje, verá que as bruxas estão prosperando; sequer precisam contratar segurança quando fazem seus rituais – que, na verdade, tornaram-se atrações turísticas. É fácil perceber que Sagan estava apenas dando voz a alguns sentimentos paranóicos. Reconheço que os níveis populacionais eram muito mais baixos no passado e que é muito mais fácil matar pessoas, hoje, com armas sofisticadas, do que era nos séculos passados, com espadas e flechas. Mesmo levando em conta os maiores níveis populacionais, a violência ateísta supera a violência religiosa em termos incríveis de proporção. Um cálculo aproximado: a população mundial, que era de aproximadamente quinhentos milhões em 1450 d.C., tornou-se cinco vezes maior em 1950, chegando a 2,5 bilhões. Somadas, as Cruzadas, a Inquisição e a queima de bruxas mataram aproximadamente duzentas mil pessoas. Ajustando esse numero ao aumento da população, temos, hoje, o equivalente a um milhão de mortes. Mesmo assim, essas mortes causadas por governantes cristãos ao longo de um período de quinhentos anos correspondem apenas a 1% das mortes causadas por Stalin, Hitler e Mao no espaço de algumas décadas. 

- Dinesh D'Souza

(Kauê Varela)